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A mulher que escreveu a Bíblia, Moacyr Scliar | Resenha

Nota: 8/10 
M oacyr Scliar, autor de contos, romances e ensaios literários (resenhas de outros livros do autor) escreveu “A mulher que escreveu a bíblia” a partir da hipótese publicada no livro “The book of J”, do professor e crítico literário estadunidense Harold Bloom: 

“Em Jerusalém, há quase três mil anos, alguém escreveu um trabalho que, desde então, tem formado a consciência espiritual de boa parte do nosso mundo [...].  
Não era um escriba profissional, mas antes uma pessoa altamente sofisticado, culta e irônica, destacada figura da elite do rei Salomão[...]; uma mulher, que escreveu para seus contemporâneos como mulher.” 

É uma ficção bem construída. Conta a história de um jovem, que por influência paterna graduou história e, que, por vocação e pelo destino, tornou-se terapeuta de vidas passadas. Diante disso, o exitoso profissional, o qual não era formado em psicologia, nem medicina, recebe de sua paciente um texto sobre uma de suas vidas passadas, vida essa que lhe foi conferida a função de escrever um importante livro sobre e para a humanidade. 

A mulher que escreveu a bíblia, cujo nome não é revelado na obra, viveu parte da sua vida em um vilarejo próximo a Jerusalém e parte em Jerusalém, no grandioso palácio do Rei Salomão. A vida passada da personagem foi por volta do século X a.C., período que Bloom afirma, hipoteticamente, uma mulher ter escrito a bíblia. 

Durante todo o texto de visita à vida passada, a mulher que abrigou a alma da paciente do presente conta a história na primeira pessoa, deixando sempre claro sua tamanha feiura, feiura de causar desconforto, de silenciar grupos de conversa, de provocar tristeza, de provocar humilhação. Ironia, sinceridade e eroticidade são as mais marcantes características presentes nos pensamentos da personagem principal, que, por estratégia política de seu pai, é oferecida como esposa a Salomão, passando a integrar o grupo das setecentas esposas do rei, o qual também tinha a seu dispor sexual trezentas concubinas.  

“A vida fora ruim, para mim? Talvez. Por não poucas humilhações passara. [...] E se quisesse acusar Salomão por tais humilhações poderia fazê-lo. Mas não o faria. Porque havia o texto, a história que eu estava escrevendo. E o texto me consolava, me amparava, dava sentido a minha existência.” 

Por saber escrever, e escrever bem, a esposa de Salomão, que viveu há séculos passados, se destacou entre as ouras do harém, haja vista que, naquela época, poucos homens sabiam ler e mulheres era algo muito mais raro. Scliar era judeu e utilizou muito dos seus conhecimentos religiosos no livro, posicionando a Bíblia como um livro e não o livro sagrado. Dessa maneira, ele deixa claro a perspectiva hebraica de contestação dos “fatos” narrados na Bíblia, que teria sido idealizada com outra finalidade (contrária a que os cristãos conhecem atualmente) e sido permeada pela subjetividade de sua escritora. 

“[...] Não quero ser lembrado por ruínas. Quero ser lembrado por algo que dure para sempre. Sabes o quê? Fez uma pausa, olhou-me, e anunciou, solene: — Um livro. Um livro que conte a história da humanidade, de nosso povo. Um livro que seja a base da civilização. Claro, o livro, como objeto, também é perecível. Mas o conteúdo do livro, não. É uma mensagem que passa de geração em geração, que fica na cabeça das pessoas.” 

Apesar de ter gostado muito da obra, senti muita dificuldade durante a leitura pelos anacronismos. Possivelmente, por misturar as perspectivas de uma mulher do presente, que visitou um passado muito distante e disponibilizou isso em um texto, causando assim, algumas incoerências. Fora isso, o livro utiliza de uma linguagem sem censura, abordando assuntos sexuais de maneira direta e leve durante todo o livro, o que descarta minha indicação para menores de 14 anos. 

Por fim, não há muito o que reclamar da leitura. É muito fluida, leve, sincera e profunda, isso por passar grande parte do tempo na mente da personagem principal, permitindo maior intimidade e, concomitantemente, subjetividade da protagonista.  Assim, esse é o segundo livro que leio do Moacyr Scliar e, tenho que admitir, o médico brasileiro foi um ótimo escritor. Espero ler muitas obras dele e que elas tenham a mesma qualidade que “Max e os felinos” e “A mulher que escreveu a bíblia”, sempre me surpreendendo positivamente. 

Recomendo a leitura a todos maiores de 14 anos. 

            


Comentários

  1. Oi, Victor como vai? Já li outros livros do autor e gostei. Este eu não li, entretanto me parece uma obra enriquecedora e prazerosa, apesar dos anacronismos presente no livro. Ótima resenha. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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    1. Conheci o Moacyr esse ano e estou adorando os textos dele, inclusive esse me surpreendeu bastante porque eu tive um preconceito ao ler o título e associar necessariamente a um texto religioso, porém, o texto extrapola essa perspectiva que eu tinha.

      Obrigado!!

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  2. Hi, Carlos. Thank you for interesting reviews about this book, also thank you for including the information where this book can be purchased.

    With best regards from me in Indonesia.

    Hola carlos .
    Gracias por las interesantes críticas sobre este libro ..... también gracias por incluir la información donde se puede comprar este libro.

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    1. I'm not Carlos, but thank you for following our blog so far. I hope I helped and I'm very happy that the platform allows translations! Xoxo!

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  3. Oi
    pelo que li na resenha parece ser um bom livro, muito bem escrito, só que não é um tipo de livro que me chama a atenção para a leitura. Que bom que gostou de ler.

    http://momentocrivelli.blogspot.com/

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    1. Que chato. Mas tem livro pra todos os gostos, né?! (Risos)
      Obrigado pelo carinho, abraços!

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  4. Adorei a resenha! Acabei de comprar o livro com seu link da Amazon, espero ajudar seu blog e ter uma leitura boa.

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    1. Oie!! Muito obrigado!! Todos vocês que compram ajudam muito!
      Gratidão!

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